Por Larissa Ramalho, Mariana Gondim e Rafael Santiago¹

A área de formação de professores tem sido alvo de uma série de políticas educacionais que buscam incentivar, em acordo com o previsto pela lei que regulamenta a educação no país (Brasil, 1996), a formação de docentes em nível superior. Um retrato do quadro atual das matrículas nessa área de formação é apresentado pelo Censo da Educação Superior de 2019. Um dos principais pontos observados é o elevado número de estudantes em cursos de formação de professores a distância, que ultrapassam 50% das matrículas nas licenciaturas. Além disso, os dados mostram um alto grau de evasão nesses cursos, com sérias consequências para a adequação da formação docente na educação básica. 

Outro dado preocupante é o considerável número de docentes da educação básica que estão no ensino superior cursando a segunda graduação em um bacharelado ou tecnólogo, indicando uma possível intenção em mudar de profissão. Os principais dados são apresentados abaixo, considerando a organização administrativa das matrículas (pública ou privada), os cursos com maior volume de estudantes (com destaque para a pedagogia) e a relação entre formação e atuação no ensino básico (aqui destacamos as principais áreas com desregulação entre formação e atuação, observando os diferentes níveis de ensino). 

Matrículas por modalidade de ensino

Em 2019, 20% dos ingressantes fizeram matrícula em cursos de licenciatura, o que corresponde a quase 800 mil estudantes ingressando em cursos da área de educação. São  cerca de 1.6 milhões de alunos matriculados nos cursos de licenciatura, dos quais pouco mais da metade está em cursos a distância (53%). Os objetivos da educação a distância foram estabelecidos no PNE de 2001, que indicou o potencial distributivo da modalidade, tendo em vista as fortes desigualdades regionais e educacionais do Brasil. Alinhada a essa perspectiva, a Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi fundada em 2005, tendo como objetivo formar professores para educação básica². Assim, a formação EaD seria uma maneira para reduzir as disparidades e democratizar as oportunidades do nível superior de ensino.    

Entretanto, uma questão muitas vezes colocada em relação aos cursos de licenciatura a distância sobre o impacto na qualidade desta formação é, principalmente, em como é colocada em prática a carga relativa ao estágio supervisionado. Neste ano temos a elaboração do Parecer CNE/CP nº 22/2019, referido como BNC-Formação, que coloca de forma clara a obrigatoriedade do componente prático, vinculado ao estágio e integrado também ao longo do curso, e que este deve ser realizado integralmente de maneira presencial. A necessidade de se ratificar essa norma foi apontada pela conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães, pelo fato de que não se ter uma obrigatoriedade explícita do estágio presencial abria brechas para fraudes³. 

Matrículas por cursos e concluintes

Quase metade dos estudantes dos cursos da área de Educação cursam Pedagogia, enquanto nas formações específicas o número é bem menor, evidenciando uma concentração de estudantes neste curso. 

O gráfico abaixo mostra a trajetória dos estudantes ingressantes em 2010 até o ano de 2019. Podemos ver que nas áreas de formação específica há um percentual muito baixo de conclusão, onde o curso com maior percentual de concluintes é o de licenciatura em geografia (46% dos estudantes). O curso com a menor taxa de concluintes é física (apenas 23% de formados). 

Grafico 1: Taxa de conclusão nas áreas de formação específica

Fonte: Elaborado com base nos microdados do censo da educação superior (INEP, 2020). Para versão detalhada, consultar https://public.flourish.studio/visualisation/4705374/

Esses dados são reforçados ao se verificar a pouca adequação da formação docente nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e no ensino médio. Segundo o Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação produzido pelo INEP em 2020, o percentual de docências ministradas por professores devidamente formados na área de conhecimento que lecionam aumentou de 2013 a 2019, porém esse percentual ainda está bem abaixo da meta planejada para 2024 pelo PNE. De forma geral, o ensino infantil e os anos iniciais do ensino fundamental foram aqueles com maior crescimento neste período (12,6% e 12,1%, respectivamente), com as regiões Norte e Nordeste apresentando os maiores aumentos percentuais. 

Já nos anos finais do ensino fundamental e médio o cenário muda completamente, pois além dos dados apresentarem um crescimento bem menor de adequação, foi observado uma grande disparidade entre as regiões Norte e Nordeste em relação às outras regiões. Os anos finais do ensino fundamental são onde essas desigualdades aparecem de forma mais evidentes. O grau de adequação para esse segmento é de 68,9% no Sudeste, por exemplo, enquanto no Nordeste esse grau é de apenas 36%. Para além das desigualdades entre regiões podemos observar também que as áreas rurais são as que possuem o menor percentual de docentes com formação adequada em relação às áreas urbanas, principalmente nos anos finais do ensino médio (26,4%), apresentando uma diferença percentual de 34% em relação às áreas urbanas (60,3%).

De forma geral, a taxa de licenciados na mesma disciplina que leciona dificilmente passa de 60%, existindo inclusive áreas como a Sociologia no ensino médio, com menos de 35%  de professores com a formação adequada.

Professores e segunda graduação

Outro importante dado revelado neste censo e representado no gráfico abaixo e diz respeito ao  perfil dos docentes da educação básica matriculados na educação superior. Verificou-se que 68% dos professores da educação básica que estão no ensino superior já tem uma formação de nível superior anterior, sugerindo assim a busca por um segundo curso que na maior parte das vezes vai ser feito em uma instituição privada (70%) e a distância (63%). Além disso, é importante ressaltar que, desses professores, cerca de 26% estão buscando um curso de bacharelado ou tecnológico indicando, assim, uma possível intenção de mudança de profissão.

Grafico 2: Perfil dos docentes da educação básica matriculados na educação superior

Fonte: Elaborado com base nos microdados do censo da educação superior (INEP, 2020).

A intenção em mudar de profissão pode indicar descontentamento com as condições de trabalho dos professores da educação básica. A baixa remuneração da categoria no país já foi apontada por relatórios feitos por instituições como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE)⁴ e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)⁵. Segundo Barbosa (2015), a Pedagogia e as demais subáreas de educação historicamente atraíram indivíduos de classes sociais mais baixas, se consolidando como um curso menos prestigiado na estrutura do ensino superior. Para a autora, um dos fatores que distinguem essa área é a forte marcação de gênero, que em 2019 tinha 72,2% das matrículas feitas por mulheres. Esse dado é importante, pois profissões majoritariamente femininas tendem a ser desvalorizadas, dado o papel de subordinação das mulheres em uma sociedade patriarcal (BARBOSA, 2015).

Notas

1- Os autores são estudantes de ciências sociais da UFF e pesquisadores do Grupo de Pesquisa sobre Desigualdades Estruturantes – Desestrutura/UFF

2 – Apresentação da UAB disponível pelo link http://portal.mec.gov.br/politica-de-educacao-inclusiva?id=12265

3 –  A notícia sobre a aprovação do parecer e entrevistas pode ser consultada no link: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/09/cursos-de-licenciatura-ead-terao-que-oferecer-estagio-presencial-a-partir-de-2022-define-conselho.ghtml

4 – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), 2020. Education at a Glance 2020. Disponível em <https://read.oecd-ilibrary.org/education/education-at-a-glance-2020_69096873-en#page1>. Acesso em 19 dez 2020.

5 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2017. Professores da Educação Básica no Brasil: condições de vida, inserção no mercado de trabalho e remuneração. Disponível em <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7929/1/td_2304.pdf>. Acesso em 19 dez 2020.

Referências

BARBOSA, M. L. O. Origem social e vocação profissional. Em: HERINGER, R.; HONORATO, G. Acesso e sucesso no ensino superior: uma sociologia dos estudantes. Sete Letras, Rio de Janeiro, 2015

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Microdados do Censo da Educação Superior 2019. Brasília, 2020. 

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