Por Larissa Ramalho, Mariana Gondim e Rafael Santiago¹

Para analisar o retrato  da desigualdade regional na organização do ensino superior, essa nota apresenta os principais resultados da distribuição de matrículas pelas regiões geográficas do território nacional tendo como base os microdados do Censo da Educação Superior de 2019 (Inep, 2020). Veremos que ainda são marcadas as desigualdades regionais, ainda que a expansão do acesso a partir da década de 1990 tenha beneficiado em ritmo mais acentuado as regiões norte e nordeste

São os lugares mais ricos do país aqueles que possuem uma maior proporção de estudantes no setor privado. Em São Paulo essa razão chega a ser de quatro estudantes em instituições privadas para um estudante no setor público. No Brasil a razão é 2,2.  Em alguns estados do norte e nordeste é maior a presença de estudantes no setor público, conforme indica o gráfico 01.  Praticamente todos os estados do norte e nordeste estão abaixo dessa média. Um dos motivos que explicam esse quadro geral é justamente porque a concentração da produção econômica se coloca mais favoravelmente no sul e sudeste, com menor oferta e demanda de vagas nas regiões mais atrasadas economicamente.

Isso ocorre porque o processo de mercantilização da educação superior, acentuado no Brasil a partir do final dos anos 1990, resultou na concentração de matrículas no setor privado (75%), com destaque para a forte presença das instituições com fins lucrativos. Aqui a lógica que orienta a oferta de vagas é a busca por mais clientes e lucros no curto prazo, em um processo que conduz as instituições de ensino superior à uma série de estratégias gerenciais e financeiras que apontam para um movimento de oligopolização do setor. O barateamento dos serviços, a diversificação dos cursos de menor prestígio acadêmico e a abertura do capital na bolsa de valores fazem parte desses processos mais amplos de mercantilização da educação e de financeirização do capital. Como a lógica da oferta do setor privado não tem como estratégia a diminuição das desigualdades regionais, políticas de expansão e interiorização do acesso à educação superior tem sido pensadas pelo governo central, especialmente na primeira década do século XXI, em termos de redistribuição social estratégica das oportunidades.

Gráfico 01: Razão da matrícula por categoria (privada/pública) nos cursos de graduação presencial, por Unidade da Federação – 2019

Fonte: Microdados do Censo da Educação Superior 2019 (Inep, 2020)

A relação desigual entre as regiões também pode ser expressa através da comparação entre o percentual de matrículas e o percentual da população total por região geográfica. A tabela abaixo indica que as matrículas no Brasil se concentram nas regiões sul e sudeste. As menores taxas de matrículas em relação à população estão no norte e nordeste, enquanto o centro-oeste parece mais equilibrado. Esse panorama reforça o entendimento sobre o processo histórico de expansão do ensino superior que acompanha o crescimento das regiões economicamente centrais do país, sendo inseridas posteriormente as demais regiões.

Tabela 01: Percentual de matrículas e da população total por região geográfica – 2019

RegiãoPercentual de MatrículasPercentual da população total
Norte5%9%
Nordeste18%27%
Sudeste44%42%
Sul24%14%
Centro-oeste9%8%
Total100%100%
Fonte: Censo da Educação Superior (Inep, 2020); IBGE, 2019

Uma outra forma de olhar as diferenças entre as regiões do país é observar como se distribuem as matrículas por modalidade de ensino. O gráfico abaixo mostra que nas regiões norte e nordeste a concentração de matrículas na modalidade de ensino presencial ainda é muito alta, acima de 90%, enquanto uma porcentagem menor pode ser observada nas regiões sudeste e centro-oeste. Já na região sul podemos observar uma inversão no cenário onde a concentração de matrículas está majoritariamente no ensino a distância.

Gráfico 02: Percentual de matrículas por modalidade de ensino e regiões geográficas – 2019

Para entender o predomínio das matrículas a distância no sul do país é necessário retomar alguns dos dados levantados nas notas anteriores, quando olhamos as mantenedoras com o maior número de matrículas no ensino superior e a sua porcentagem no EaD. Três se destacam, são elas as marcas Uniasselvi / Leonardo Da Vinci (288.826 matrículas totais, 97,5% no EaD), Uninter (183.110 matrículas totais, 98,7% no EaD) e UniCesumar (157.090 matrículas totais, 91% no EaD)². Aqui nos interessa apontar o histórico de atuação destas mantenedoras, que possuem uma grande expressão na modalidade a distância, e tem sua origem justamente na região sul do país, especificamente nos estados de Santa Catarina e do Paraná. Elas surgem nos anos 1990 como faculdades privadas nas suas respectivas cidades, momento a partir do qual procuram se estabelecer regionalmente. É a partir dos marcos regulatórios dos anos 2000 que, seguindo a onda de ampliação da modalidade a distância, passam a apostar na oferta de cursos no EaD como principal forma de expansão. Esse processo é marcado, principalmente, pela criação de polos de apoio presencial espalhados em diferentes cidades do país. É provável que essa seja a razão do alto número de matrículas na EaD na região sul. Além disso, quando cruzamos os dados da modalidade de ensino com as regiões geográficas podemos estar capturando a sede da instituição de ensino e não o pólo de oferta do curso, o que explicaria o alto número de matrículas na EaD da região. 

De maneira geral, tanto o ensino presencial quanto o EaD possuem mais matrículas na área de negócios, administração e direito. No ensino presencial, Saúde e bem-estar é a segunda área com maior número de alunos matriculados. Na EaD, é a área de Educação. Nos gráficos 03 e 04 é possível observar que nas regiões sul e sudeste a proporção de matrículas na área de engenharia, produção e construção é proporcionalmente maior que nas outras regiões (cerca de 18% no sul e 17% no sudeste do total de matrículas no ensino presencial, enquanto a média brasileira é 14%). Já no norte e nordeste observamos uma proporção de matrículas na área de Educação muito maior, tanto no ensino presencial quanto no ensino a distância. Proporcionalmente essa área representa mais da metade do total de todas as matrículas em EaD nas regiões norte e nordeste (cerca de 58% e 55%  respectivamente). 

Gráfico 03: Percentual de matrículas por áreas de conhecimento selecionadas* na modalidade presencial – 2019

Fonte: Censo da Educação Superior (Inep, 2020); IBGE, 2019

* As áreas selecionadas são aquelas com maior concentração de matrículas. Foram excluídas do gráfico as seguintes áreas: Agricultura, silvicultura, pesca e veterinária; Artes e humanidades; Ciências naturais, matemática e estatística; Ciências sociais, comunicação e informação; Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC); Programas básicos e Serviços.

Gráfico 04: Percentual de matrículas por área de conhecimento na modalidade a distância – 2019

Fonte: Censo da Educação Superior (Inep, 2020); IBGE, 2019

* As áreas selecionadas são aquelas com maior concentração de matrículas. Foram excluídas do gráfico as seguintes áreas: Agricultura, silvicultura, pesca e veterinária; Artes e humanidades; Ciências naturais, matemática e estatística; Ciências sociais, comunicação e informação; Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC); Programas básicos e Serviços.

A área da educação nos últimos anos tem sido alvo de uma série de políticas educacionais voltadas para formação de professores, tema que será melhor abordado em nossa próxima nota, mas para entendermos melhor os dados apresentados é interessante que se relacione o alto número de matrículas na área da Educação com a falta de professores devidamente formados nesta região. As regiões do Brasil que mais possuem matrículas na área da Educação são também as que possuem a menor proporção de docentes devidamente formados na área que lecionam (Inep, 2020). 

As perspectivas abertas pela expansão do acesso às instituições de ensino superior não se limitam ao seu papel estratégico no desenvolvimento econômico ou as possibilidades de democratização do acesso e melhoria da qualificação profissional. Se constituem também pelo caráter de desconcentração regional que esse processo pode criar. Vimos nessa nota que ainda há fortes desigualdades na maneira como é ofertada a educação terciária no país. Vale destacar que o investimento em regiões com maior déficit educacional é elemento central para redução das desigualdades regionais. Daí que as políticas de expansão e interiorização do acesso tem sido pensadas em termos de redistribuição social estratégica das oportunidades e os resultados podem ser observados na maior expansão proporcional das regiões mais pobres do país. 

A próxima nota que iremos elaborar irá lançar luz sobre a distribuição das oportunidades regionais para a formação de professores. Veremos que, nesse caso, houve um investimento maior nas regiões com menor adequação entre formação docente e exercício da função. 

Notas

  1. Os autores são estudantes de ciências sociais da UFF e pesquisadores do Grupo de Pesquisa sobre Desigualdades Estruturantes – Desestrutura/UFF.
  2. Os dados aqui tomados como referência podem ser consultados na nota 01, disponível em http://desestrutura.uff.br/339-2/

Referências Bibliográficas

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Microdados do Censo da Educação Superior 2019. Brasília, 2020. 

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Relatório do 3º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação 2020. Brasília, 2020.

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